Nunca teve jeito com as mãos, então Cairo não escrevia cartas. Engolia as palavras e as palavras engordavam-lhe a alma, deixavam-na demasiado velha e pesada para um jovem da sua idade. Não era que tivesse muito a dizer, na verdade, o silêncio era uma espécie de terapia...mas, de vez em quando, seria bom poder partilhar os seus pensamentos com alguém.
Uma ideia nunca vinha só, mas presa a uma fileira de outras ideias, todas elas igualmente tristes e escuras. Irritava-o que conseguisse ver o mundo tão pormenorizadamente e perguntava-se se seria o único. Talvez fosse somente o único a não conseguir ignorar.
Tantos erros e imperfeições! Linhas grossas, caras grotescas, um planeta habitado de paisagens que os seus olhos cansados não queriam ver. Far-lhe-iam um favor se o deixassem partir mais cedo.
Por este motivo, não precisava de nenhuma Kiara na sua vida. Kiara vinha complicar a situação, torná-la mais ardil para si. Estavam a anos luz um do outro e, de certa forma, ele percebia a provocação e tinha consciência de que o seu sofrimento a entretinha. Se pudesse, colocá-la-ia num pedestal, inerte, surda e muda - morta. Seria mais fácil contemplá-la dessa maneira, sabendo que ela era apenas uma espécie de objecto de adoração, agora sim, fora do seu universo.
O tédio secava-lhe a garganta e, em breve, secar-lhe-ia as veias também.


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