Tive uma discussão com a minha mãe. Ultimamente, sinto que ela tem inveja porque eu fico em casa e ela não...gostava que ela percebesse que não sou eu quem estabelece os horários. Dói-me muito quando ela me diz que tenho uma vida perfeita e que corre tudo à minha maneira, quando ela me acusa de não ter do que me queixar, já que passo o dia no computador sem fazer nenhum. Sabes mãe, eu fico o dia no computador, porque não tenho ninguém à minha espera na rua. Tens a noção clara de que a minha única amiga é a Junko e de que quando ela não está, eu não tenho mais ninguém com quem ir ter. Também gostaria que percebesses que eu passo a vida no computador, pois encontro outras pessoas presas no mesmo ciclo vicioso e cá fora é-me difícil partilhar gostos com alguém.
Dói-me muito quando ela me atira coisas à cara. Eu queria ir a Lisboa dois dias apenas, mas não sei se terei dinheiro e não, mãe, isso não é querer tudo, querer tudo seria sair todos os fins-de-semana como fazem as minhas colegas, aquelas que são normais como tu gostarias que eu fosse. Dois dias por ano farão tamanha diferença? E a semana em que me vou embora não vai ser paga por ti, estás constantemente a relembrar que não posso ir de mãos vazias, mas dares-me dinheiro para um gelado ou uma senha de autocarro (o tipo de produtos que poderei precisar de comprar lá) custa assim tanto?
Odeio a escola, por isso é que este ano falto tanto. Não me sinto feliz e não sinto que esteja onde devia estar. Para onde quer que olhe, não me integro. As pessoas não gostam de mim por não ser como elas, os meus colegas dizem que eu sou diferente porque tenho boas notas e, portanto, devo passar os dias a estudar - hoje em dia, estudar é quase um crime de guerra. Como eu digo o que penso, sou antipática, então as que dantes falavam eventualmente para mim, já não falam. Eu não afasto os outros pelo meu feitio, desculpa se nunca tive vontade de ser básica como eles, desculpa se nasci tão narcisista, mas prefiro afastar-me a sofrer vergonhas.
Também me dói quando perguntas porque sou a única que não tem namorado. Os rapazes não olham para mim, e sabes que eu tentei, mas sou tão estranha, nasci de forma tão errada, que quando eles me tocam, eu sinto nojo. Não é só com eles, mãe. Tive uma colega que me ofereceu uma moldura feita à mão, que me explicou que pedira ao pai para a ensinar e passara semanas a fazê-la...eu queria deitá-la fora, porque sinto nojo quando os outros demonstram afecto para comigo. Nem abraçar alguém em condições eu consigo, sinto-me mal, sinto que o meu corpo não foi feito para se adaptar. Acho que era suposto ter nascido com uma condição médica muito frágil que me obrigasse a viver dentro de uma bolha de plástico. Não gosto do toque e os rapazes gostam de tocar, por isso é que sou a única que não tem namorado, mãe.
Não gosto que fales das minhas amigas do ecrã como se eu mal as conhecesse, nem gosto que não confies nelas. Eu confio. Se calhar elas não me consideram amiga, mas eu não me importo, por não ter mais ninguém com quem falar. Passo o dia em pulgas para poder vir à internet e contar as ideias geniais que tive ao longo do dia, mas que tive de reprimir porque ririam de mim se as contasse a alguém da escola. É por isso que não me importo se elas não gostarem de mim a sério...por detrás do ecrã eu não as vejo a rir, então não me magoa.
Agora tenho de ir para a universidade tirar um curso qualquer que me torne inteligente, mas, mãe, dói tanto quando dizes que passo o dia sem fazer nenhum! Eu quero ser inteligente para escrever bem e as horas que gasto aqui não são desperdiçadas, são, na sua maioria, a escrever, a tentar cada vez mais afincadamente escrever bem. Sinto-me muito sufocada, não sei que curso seguir, nem sei se o quero e a perspectiva de ter de esperar pelo menos mais três anos para poder emigrar faz-me querer desistir. Não quero ir para a universidade, quero ir para o Japão, quero perder-me nas ruas onde há tanta gente que ninguém reparará em mim, quero passar nas esquinas onde eles se vestem como eu e sentir que pertenço a algum sítio. Tenho tudo bem pensado, não quero ser empresária, nem advogada, quero trabalhar num café e andar maquilhada o dia todo, quero sofrer por algo que escolhi, não por algo que me é imposto.
Se calhar, como sou esquisita, vou acabar por ficar cá e seguir os passos de toda a gente. Provavelmente ninguém vai ler os meus livros, caso consiga escrever e publicá-los, não vou encontrar um homem pelo qual não sinta a mínima repulsa e não vou ter um grupo grande de amigos e amigas com quem faça karaoke numa língua estranha. Vou contentar-me com um curso qualquer, um daqueles que vocês chamam de "bom", talvez, mas receio que se ficar cá, acabe por seguir o rumo do resto do mundo, me acomode e nunca chegue a ir atrás dos meus sonhos. Talvez fosse mais fácil se não me deixasses ter lido todos aqueles livros e visto aqueles filmes quando era pequena. De qualquer forma, gostava que acreditasses em mim.
Desculpa lá, a minha vida é perfeita e eu não sei do que reclamo...
Etiquetas: desordem da personalidade, futuro
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