Tornei a ver-me por dentro. Desta vez, não vi os órgãos pendurados e esse cenário parece-me quase impossível como se não me pertencesse. Fechei os olhos e fitei a escuridão.
Dentro do meu tronco há um grande rectângulo, a toda a altura, negro. Não sei se está vazio, se tem coisas guardadas que não posso enxergar...sei que as luzes estão apagadas - mas isto, na minha mente.
Olhei para baixo, para o peito, e vi cimento sólido perto da pele; talvez o cimento rodeie o tal vazio negro e talvez o tal vazio - que pode estar cheio, sem eu saber - seja negro porque o cimento é indubitavelmente opaco. Mas o tronco não me preocupa, porque muda constantemente de aspecto e eu já me habituei a ele. O que me rala são os buracos das mãos.
Tenho um buraco em cada mão, mas o da direita é o que mais me dói, embora a esquerda tenha sido a mais importante por alguns anos. Quando o escuro se espalha dentro da minha casca - ou do meu cimento -, a mão direita lateja e eu tenho de fechá-la em punho, encolher os dedos contra a palma. Dantes, tinha de usar um anel na mão esquerda e quando o vazio me sugava, eu tinha necessidade de apertar o anel com muita força.
Às vezes uno ambas as mãos, uma à outra, pois doem as duas e a que sente o buraco mais intensamente precisa da outra para a apertar. Às vezes atribuo a causa dos meus furos a outras pessoas, a pessoas que não existem ou que nunca lidaram comigo...faço isto por ter esperança de que, se fingir com a força suficiente, serei capaz de acreditar no que invento, faço isto por me sentir muito sozinha, mas não ter ninguém que tente tapar o buraco da minha palma com a sua própria palma da mão.
Tenho muita pena, uma vez que gostaria de estar a dormir, mas hoje a anormalidade na minha pele doeu e eu quis escrever, enquanto ainda sei descrever a sensação.


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Comentários:
Omg, a foca. Merci.
Este texto está brilhante.
 
TIPO SABES QUE TENS AQUI A MELISSA NA SIDEBAR
 
Hmm, nao sei se na minha escola isso acontece. xD
 

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