É uma boa teoria; pareces alguém bom com teorias...Talvez esperes que desenvolva uma de igual forma e seja capaz de me expressar como tu fizeste, mas, desculpa, não é o meu forte. Podia fazer-te um desenho, não sei, uns rabiscos, mas não conheço o teu rosto. Pode parecer idiota, mas eu consigo "falar" melhor com um lápis de carvão e uma folha de papel...Não que seja grande desenhador; nem retratos em condições consigo fazer, sou daqueles que desenham postes e lhes chamam pernas...não sei se estás a ver o tipo. Mas é uma maneira de passar o tempo e ele arrasta-se demasiado sem passatempos.
Tenho outro passatempo, mas não te quero parecer um psicopata ou seja qual for o nome. É que eu tenho o hábito de espreitar uma rapariga pela janela do meu quarto. Não tenho culpa, não consigo controlar, porque ela passa tão perto e eu vejo-a tão pouco...Ela fica só a atravessar a rua, nada de mais, mas eu gosto de a tentar gravar no papel. É tão perfeita, tão maravilhosa e mais interessante do que alguém como eu e é esse o motivo pelo qual nem sequer lhe dirijo a palavra. Não teria uma única chance com alguém como ela.
Acho que não percebo muito de metáforas ou não tenho aquela vontade de perceber. É-me difícil ter vontade para alguma coisa. E quanto à arte, já te disse que gosto de desenhos, mas também não sou grande entendido na matéria, vasculho aqui e ali, passo os olhos por alguns artistas, mas não tenho sequer um desenhista favorito.
Olha, se calhar já te vi. Atrás das cortinas, sabes? Hm, eu acho que vou já responder à tua pergunta. Devo ver-te porque devo estar mesmo no fundo dos bastidores, sentado numa cadeira. Pelo menos tu chegaste às cortinas, ainda que receies que estas se abram. Eu não sou actor, mas também não sou pessoal técnico, estou só mesmo abandonado a um canto a ver os outros. Alternativamente, estou na plateia e fico lá a morrer quando já toda a gente saiu e o teatro fechou.
Gostava de te aconselhar, mas sou mau em dar conselhos e ainda não estou bem certo se serei bom a escrever cartas. De qualquer forma, a minha também ficou comprida e eu não desgosto destes tamanhos. Não te conheço nem nada, mas suponho que sejas simpática, talvez um pouco perdida, mas quem não está? Olha, eu desliguei-me de tudo, mas eu não sou exemplo para ninguém. Talvez devesses fazer algo útil, ir atrás de alguma coisa porque, como tu mesma disseste, vamos todos morrer. Não sei se a minha morte está mais perto ou mais longe que a tua, mas acredito que farás muito mais proveito da vida do que eu alguma vez sonhei fazer. Tem coragem, vai em frente e volta as costas a todos, porque se eles tas apunhalam, não merecem que olhes de frente...Hm, mas não deixes que te espetem outra vez, foge. Não estou a fazer sentido, eu sei, mas é complicado fazer sentido. Talvez para ti não seja.
Podias rasgar as cortinas, agora que visualizo. Estou a sorrir, é qualquer coisa. Se as rasgares o público passa-se. Vou desenhar um palco - rascunhar um palco - e depois envio-te.
Boa sorte, Yasmin.
João
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