Queria ser astronauta, rodar o planeta, bola colorida entre as mãos do universo, observá-lo lá de cima, pequeno, insignificante, tão importante, países como formigas, pessoas que deixariam um buraco negro se desaparecessem, mas que no espaço não se vêem nem à lupa. Queria ser peixe num mar de estrelas, tão pequenina, tão grande, eu numa nave espacial e as pessoas a fazerem contas, a anotar, a procurar...sempre, mais e mais, à procura do quê, à procura de quem? Queria ser integrante da NASA, mas não vou sê-lo.
Queria brincar aos polícias e aos ladrões, uma pistola a sério nas mãos de uma criança, a correria incansável pela missão impossível - a de limpar a Terra. Prender, prender, prender, arrancar uma erva daninha para nascerem mais mil, mas nunca parar, ser o bom agricultor que está sempre de olho nos terrenos, que não se cansa e não pergunta porque continua, limita-se a fazê-lo. Queria ser polícia, mas não vou sê-lo.
Queria ser psicóloga criminal, numa sala com um psicopata e o psicopata ri e eu não acredito, e o psicopata chora e eu não acredito, e o psicopata dá-me a volta com uma facilidade incrível, porque neste mundo ganha o vilão e subjuga-se o herói. Conhecer mentes complexas, tão intrincadas que dariam livros sem fim, confrontar coisas que eu própria sinto, que eu própria vejo, que eu própria nunca confessaria a uma psicóloga. Queria andar por países de línguas estrangeiras a trabalhar com pessoas conturbadas, mas não vou fazê-lo.
Queria ser artista. Pintar como quem vê as paisagens que não existem, retratar aquele rosto - que murcha e morre - para o marido o recordar, para os filhos o recordarem, para os netos o conhecerem. Cantar como quem sofre, a alma sempre presa num calabouço, porque a boca chora as lágrimas que os olhos não escorrem. Viver aqui, ali, neste século, naquele, ser loira, ser morena, ser homem, ser mulher, actriz ou actor. Queria escrever sobre os seres que me habitam, os que falam e só eu escuto, os que discutem apenas contra mim, os que se querem libertar, mas não têm corpo...queria dar-lhes vida numa folha de papel e fazer minhas as suas dores, e fazer minhas as suas alegrias. Mas não vou.
Vou ser grande, possivelmente casada com o Francisco, porque o João acabou por não existir, mãe da Teresa e do Guilherme, porque não houve dinheiro para os outros. Vou ser secretária ou empregada de balcão, pois os aviões não me levaram para onde eu queria e a linha do destino não me puxou para o sonho. E de sonhos estarei cheia, como está o mundo todo, mas de sonhos reprimidos, não concretizados...afinal, como chegaria eu às estrelas? Quando teria oportunidade de segurar na arma? Em que país acolheriam uma forasteira mal amanhada? Quem vai ler livros portugueses que não sejam de uma Margarida ou de uma Rita ou de uma outra escritora light? Vou crescer, procriar, trabalhar, reformar-me e esperar que a morte chegue. Vou ser uma adulta.

 
ps: para quem me lia no já não és skinny, love - voltei.


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Comentários:
o que é que se dá em sociologia?
 
eu a estudar a minha arqui-inimiga (aka sociedade)?! está bem, está.
 
eu não tenho a minima ideia do que quero ser, mas também estou um bocado como tu, às vezes quero ser muita coisas, outras nem por isso.
 
Ai, um dos teus melhores textos.
 
Chegou uma carta para o Roy.
 
é isto. exactamente isto. amei, kate.
 
e quanto à carta: adgfasfd *.* ainda bem que gostaste
 

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