Estamos tão perdidos, meu amor. E eu penso como seria bom se ao menos fôssemos bonecos de pano e bastasse uma agulha hábil para nos unir. Então, poderíamos ser cosidos juntos e passar o resto da eternidade unidos. Infelizmente, temos braços e pernas capazes de movimento, cabeças que pensam e olhos que enxergam; por isso, não há costureira capaz de remediar o nosso mal.
Sinto um cansaço tão grande, agora! As minhas mãos despejam-se sobre o teclado e eu quero chegar a ti com palavras que não escutas...por que me viras a cara, amor? Peço-te que tenhas piedade, que dirijas o teu olhar para mim e me deixes definhar nos teus braços. Não me importa que esses olhos sejam como um poço sem fundo e que esses dedos sejam utensílios de morte.
Mata-me; quero morrer aos teus cuidados! Quero morrer sufocada e quero que sejas tu o causador, para que a minha alma te assombre sempre e os teus actos me assombrem a mim.
Toma-me como tua e leva a minha vida para o outro lado. Sei que quando estivermos a atravessar o grande rio, hás-de virar o barco ao contrário e arrastar-me para as profundezas. Sei que hás-de ter-me sob o teu domínio, no caminho entre a existência e o pó. O nosso corpo etéreo há-de apodrecer como um só e os peixes que comerem de ti comerão de mim, para que regressemos juntos ao mesmo ciclo. Não te quero perder nem para a morte.

***

Traga-me! Coloca-me na boca de uma vez só e engole-me viva. Quero permanecer para sempre dentro de ti e quero fazer com que os teus órgãos falhem para que possas ser como eu. Onde está o teu coração?
Responde-me, cabrão! Por que tens um espaço vazio onde ele devia bater? O que fizeste, por que o deste a alguém que não eu? Perdeste-o numa luta de bar, ou talvez num pacto à meia noite. Vejo-te perfeitamente na encruzilhada e sei que o enterras numa caixa de madeira.
Agora diz-me o que faço eu dentro de ti. Diz-me para onde hei-de virar-me, se tudo é tão escuro e tudo o que oiço é a falta de um ritmo cardíaco. Aventuro-me escada acima e chego ao cérebro, negro como breu.
Os teus pensamentos iluminam-se finalmente, pois tenho o direito a um panorama. São nuvens translucidas e desfazem-se contra mim como fumo. Uma delas tem o gosto do algodão doce, mas eu decido espreitar mais para o fundo e encontro um corredor.
Há um corredor no teu cérebro e cada porta esconde um segredo mais tenebroso que o anterior. É um circo de horrores e a quem devo recorrer quando tudo o que encontro é isto? Na última porta, encontro-me a mim. Estou nua, estendida sobre a cama e quem se debruça sobre mim não és tu, mas uma grande mancha negra. Tenho os olhos abertos, mas a cor é lixívia e eu sou dura como pedra. Tenho um coração, mas não palpita. Do que me serve?
Afinal sempre és tu, meu malandro! Não há nada em ti que eu precise de ver, por isso desfazes-te em sombras e brincas com o meu cadáver.

***

Quero tanto, mas tanto magoar-te que sinto náuseas só de pensar em guardar as mãos nos bolsos. Ah, não, as minhas mãos precisam de estar em ti! Insisto em ocupar o teu colo e abraçar-te com o corpo todo. Preciso loucamente de cravar os dentes no teu pescoço, de arranhar as tuas costas com as unhas. Preciso de provar-te para minha própria satisfação e usar-te como se não fosses nada.
Pena que sejas tudo. Deixo-te interagir, mas hoje não te importas de entregar-me o comando, por isso, fazes só o suficiente para que eu não caia, nem desanime, mas não travas qualquer um dos meus passos. 
Puxo a tua cabeça para trás, os dedos a emaranhar o cabelo da tua nuca. Fixo-te teimosamente, para encontrar um rosto que não me diz nada, de maxilares cerrados e olhos presos em mim. Pareces desafiar-me com o teu olhar, mas estás apenas a observar-me sem filtros, pois nunca os usas. E se os teus olhos são vazios, nunca tentaste escondê-los, nem mentiste acerca desse facto.
Beijo-te a boca, então. E sou selvagem, mas tu és tão, tão mais forte! A única coisa que me faz ganhar é a tua paciência para com a minha feracidade. Esbarro em ti como se quisesse que colidíssemos numa espécie de acidente amoroso. Quanto de nós é amor? Paro para analisar e não encontro nada de mais extraordinariamente amoroso do que a dor.
Assim, amo-te até sangrares e tu deixas porque queres. Foi bom inverter os papéis.

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