os trabalhos de casa acumulavam-se
tinha pó debaixo da cama e perguntava-me
se algum dia teria coragem de arrumar o quarto
por isso, saí para a rua nu como um louco varrido
fui debruçar-me na ponte para poder espreitar o rio
e perguntei-me o que acontece aos peixes quando morrem
se são arrastados pela maré, sem direito a formalidades funerárias
e, se são, qual é a sensação de não ter que lutar mais contra a corrente

retraí-me, afinal, estava nu no meio da estrada e não percebia de pesca
se calhar o melhor era voltar para casa e sentar-me a estudar
os homens de bons valores seguravam-se aos seus livros
nunca se ouviu falar de um que se agarrasse às pontes
no entanto, antes de ir, queria esticar o pescoço
queria tentar ver os peixes longínquos do rio
mas sem querer ou talvez de propósito
larguei as grades e fui cair lá baixo

pelo caminho só pensei "que bom!
agora, não terei de arrumar nada
nunca mais vou ter de ir à escola
não há pó nenhum para eu limpar"
e o meu corpo embateu na água
as ondas encheram-me por dentro
fechei os olhos e esperei pelo fim

de repente, nada.
um absoluto e maravilhoso nada.

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