Um turbilhão de vidas passava na sua frente, todos tão perto...mas se esticasse os dedos, nunca chegava a conseguir tocar-lhes. Acostumara-se a ver o mundo debaixo, sentado no chão, e fixava-se nas pernas das pessoas como se pertencessem a um anúncio, daqueles onde os atores só se viam da cintura para baixo. Era apropriado, visto que toda aquela gente servia de figurantes no seu mundo de homem só. Do lado dele, não havia conhecimento sobre histórias, nomes...e então para que seriam necessários os rostos?
Gostava de ficar sentado no chão dos corredores e ver os alunos passarem por si. Nalgumas vezes era meramente a preguiça de arrastar-se para outros lados, noutras era uma questão artística, pois os alunos serviam-lhe de modelos para desenhos nos quais ele não depositava grande empenho. Ainda assim, multidões não o atraíam e só funcionavam fosse para o que fosse, caso estivessem a uma distância segura de si.
Talvez saísse ao pai na sua reserva, apesar do progenitor ser uma versão menos acanhada de si. Da mãe herdara um sinal no nariz e não lhe parecia que partilhassem outros traços. Os seus pais tinham-se divorciado mesmo antes do rapaz nascer e a mãe não demorou a reconstituir família com outro homem. Enquanto criança, Cairo vivera com ela alguns anos, porém, o irmão nascido com um ano de diferença de si fazia questão de tornar-lhe a infância infeliz. Mais tarde, nasceram os gémeos e a sua progenitora decidiu enviá-lo para o pai.
Eram países diferentes e Cairo não o via mais do que umas vezes por ano, antes de mudar as malas para sua casa. No entanto, a adaptação foi melhor do que esperava - ou tão melhor quanto permitia o seu temperamento conformado - e os seus feitios cooperavam entre si para uma convivência pacífica.


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