Sabes? Quanto mais conheço as pessoas, mais gosto de ti. Como és feito de nada, como és massa por moldar e relógio quebrado, posso em ti ver todas as virtudes do mundo - não deste mundo, mas do outro. Não és corrompido por aquilo a que o Homem chama “carácter” e, custa-me dizer isto, mas talvez não tenhas alma, talvez sejas apenas feito de um desejo de vapor e essa tua falta de alma seja uma vantagem.
As tuas palavras não me magoam, pois a tua voz nunca alcança o limite da minha cabeça. E a tua força não me atinge, pois o teu gesto dissolve-se no ar. Compreendo que possa ser frustrante existires apenas quando quero…ou talvez não sintas coisa alguma porque, bem, tu não sentes coisa alguma.
És, portanto, a melhor companhia que poderia ter. És a única constante num mundo incerto, onde eu - tão diletante quanto o meu querido Carlos da Maia - estou constantemente com vontade de trocar uns por outros. Pois a ti não troco. Por ti, sinto apenas a dolorosa exactidão do não concreto, aquilo que separa o teu toque do meu.
Debato-me porém com uma dúvida: se conseguisse então sentir-te sob o meu tacto, serias tu o mesmo? Rapidamente te corromperias pela razão, pelo pensamento, pelo conhecimento e sensações humanas, ou manterias a tua integridade de objecto imaterial?
Vou deixar-me de suposições loucas e dormir. Espero-te no meu quarto, querido R.

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